quarta-feira, 16 de julho de 2014


“O modelo dos modelos”


Italo Calvino

Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas. [...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece praticável.
 

 “O modelo dos modelos” - As mudanças e o AEE
  José Macio de Sousa

Ao me deparar com a descrição da personagem do Senhor Palomar, logo de início, me vem à mente a teoria da Epistemologia genética de Piaget nos estudos do processo do desenvolvimento cognitivo humano, relacionados às fases da assimilação, acomodação, esquemas e a equilibração, bem evidenciadas no trecho que diz “[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço (...)”, não fosse o fato da procura do Senhor Palomar ser sempre por um modelo o mais perfeito, lógico, geométrico possível, porque, se assim o fosse, como a mente humana se desorganizaria para,  em uma nova situação, referente a habitual, pudesse haver a equilibração e criação de novos esquemas?   

A partir dessa constatação e analisando o desenrolar da narrativa, começo a perceber uma outra reflexão a respeito dos modelos do Senhor Palomar, os quais se evidenciam em nossa realidade ou da sociedade em geral, passando a identificá-los, como uma sociedade dos modelos.

Os modelos a serem seguidos, por isso, padronizados, perfeitos e homogêneos, são aspectos, que se seguem por nossa sociedade de forma cultural e perpassa para a realidade das nossas escolas, onde temos idades definidas, para séries definidas e formas de aprender e ensinar de acordo com modelos padronizados, previamente estabelecidos e repassados para os nossos alunos de forma homogênea e vertical.

Em contrapartida a essa realidade, ao contemplar o Atendimento Educacional Especializado em nossas escolas, segundo as especificações do (MEC, 2009) onde “O AEE é um serviço da Educação Especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Ele deve ser articulado com a proposta da escola regular, embora suas atividades se diferenciem das realizadas em salas de aula de ensino comum.” Já fica evidenciado que algumas medidas importantes já se encaminham para as quebras dos modelos e padrões que em nada contribuem na aprendizagem dos nossos alunos.

Trazendo, mais especificamente, para a atuação no AEE, percebemos então, o ponto em que assim como Palomar, nós professores nos deparamos com o contraditório dentro da lógica dos modelos, ideia essa bem evidenciada na seguinte passagem do texto “Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável(...)”, desta forma, trago para esta reflexão sobre o texto em questão, o fato da maior parte de nossas escolas ainda submeterem a todos os alunos, a mesma forma de fazer, de ser e de agir, quando na realidade, cada um se faz de forma diferente, devendo ser assim, considerado, percebido e avaliado em nossa atuação pedagógica dentro das escolas.

Mudar o que esta posto como padrão, não uma mudança por si só, mas porque ela se faz necessária, visto, os problemas de aprendizagem atualmente verificadas em nossas escolas, porque percebe-se práticas educativas que não contemplam as diferenças, a diversidade e as peculiaridades integrantes de cada indivíduo.

Assim, entra-se em questão, a importância, para o público alvo do AEE, não como os únicos a se beneficiar com a mudança desse olhar, ou dos modelos arraigados da escola, em se trabalhar de forma colaborativa com seus alunos, procurando evidenciar suas potencialidades e, assim, estimulando a troca de experiências e vivências que só tendem a enriquecer o processo de ensino-aprendizagem de todos.

Por isso, mais do que um contributo para o trabalho do AEE de forma direta, essa mudança de perspectiva, se configura como necessidade de tornar a escola, um verdadeiro espaço de formação valorosa para os nossos alunos, um espaço de aprendizagem social e acadêmica atuante para uma formação cidadã plena e de respeito à diversidade humana.  
 
                                                                                              

Referências Bibliográficas:

  • BRASIL. Diretrizes Operacionais do Atendimento Educacional Especializada na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Brasília, 2009.
  • CALVINO, Ítalo. O modelo dos modelos, UFC, 2014.

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