“O modelo dos modelos”
Italo Calvino
Houve na vida do
senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um
modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo,
verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na
experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e
realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a
harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a
seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram
de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas.
[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já
desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos
outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se
adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas
realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o
modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos
transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para
dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
Neste ponto só
restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos.
Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade
mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus
“nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça
desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e
de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da
qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece
praticável.
José Macio de Sousa
Ao me deparar com a descrição da personagem do Senhor Palomar, logo de
início, me vem à mente a teoria da Epistemologia genética de Piaget nos estudos
do processo do desenvolvimento cognitivo humano, relacionados às fases da assimilação,
acomodação, esquemas e a equilibração, bem evidenciadas no trecho que diz “[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos
se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível
transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se
adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas
realidades distintas, no tempo e no espaço (...)”, não fosse o fato da procura do
Senhor Palomar ser sempre por um modelo o mais perfeito, lógico, geométrico
possível, porque, se assim o fosse, como a mente humana se desorganizaria
para, em uma nova situação, referente a
habitual, pudesse haver a equilibração e criação de novos esquemas?
A partir dessa constatação e analisando o desenrolar da narrativa,
começo a perceber uma outra reflexão a respeito dos modelos do Senhor Palomar,
os quais se evidenciam em nossa realidade ou da sociedade em geral, passando a
identificá-los, como uma sociedade dos modelos.
Os modelos a serem
seguidos, por isso, padronizados, perfeitos e homogêneos, são aspectos, que se
seguem por nossa sociedade de forma cultural e perpassa para a realidade das
nossas escolas, onde temos idades definidas, para séries definidas e formas de
aprender e ensinar de acordo com modelos padronizados, previamente
estabelecidos e repassados para os nossos alunos de forma homogênea e vertical.
Em contrapartida a
essa realidade, ao contemplar o Atendimento Educacional Especializado em nossas escolas,
segundo as especificações do (MEC, 2009) onde “O AEE é um serviço da Educação Especial que
identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas. Ele deve ser articulado com a proposta da escola
regular, embora suas atividades se diferenciem das realizadas em salas de aula
de ensino comum.” Já fica evidenciado que algumas medidas importantes já se
encaminham para as quebras dos modelos e padrões que em nada contribuem na
aprendizagem dos nossos alunos.
Trazendo, mais especificamente, para a atuação no AEE, percebemos então,
o ponto em que assim como Palomar, nós professores nos deparamos com o
contraditório dentro da lógica dos modelos, ideia essa bem evidenciada na seguinte
passagem do texto “Neste ponto só
restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos.
Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade
mal padronizável e não homogeneizável(...)”, desta forma, trago para esta
reflexão sobre o texto em questão, o fato da maior parte de nossas escolas
ainda submeterem a todos os alunos, a mesma forma de fazer, de ser e de agir,
quando na realidade, cada um se faz de forma diferente, devendo ser assim, considerado,
percebido e avaliado em nossa atuação pedagógica dentro das escolas.
Mudar o que esta
posto como padrão, não uma mudança por si só, mas porque ela se faz necessária,
visto, os problemas de aprendizagem atualmente verificadas em nossas escolas,
porque percebe-se práticas educativas que não contemplam as diferenças, a
diversidade e as peculiaridades integrantes de cada indivíduo.
Assim, entra-se em
questão, a importância, para o público alvo do AEE, não como os únicos a se
beneficiar com a mudança desse olhar, ou dos modelos arraigados da escola, em
se trabalhar de forma colaborativa com seus alunos, procurando evidenciar suas
potencialidades e, assim, estimulando a troca de experiências e vivências que só
tendem a enriquecer o processo de ensino-aprendizagem de todos.
Por isso, mais do
que um contributo para o trabalho do AEE de forma direta, essa mudança de
perspectiva, se configura como necessidade de tornar a escola, um verdadeiro
espaço de formação valorosa para os nossos alunos, um espaço de aprendizagem
social e acadêmica atuante para uma formação cidadã plena e de respeito à
diversidade humana.
Referências Bibliográficas:
- BRASIL. Diretrizes Operacionais do Atendimento Educacional Especializada na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Brasília, 2009.
- CALVINO, Ítalo. O modelo dos modelos, UFC, 2014.